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Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário

Postado em Cartas de amor em 05/05/2021

Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário - (Foto Monina Tavora aos 11 anos - Arquivo particular Ricardo Dias)

(Monina Tavora aos 11 anos - Arquivo particular Ricardo Dias)

O desginer, escritor e luthier Ricardo Dias tem um baú do violão brasileiro e costuma surpreender quando publica suas raridades. Não foi diferente quando, na segunda-feira (03/05), postou no Facebook um lindo texto do genial Sergio Abreu em tributo aos 100 anos de nascimento da violonista argentina Monina Tavora (1921-2011). Além de uma incrível foto da violonista, então com apenas 11 anos de idade, Sergio também liberou gravações caseiras inéditas, que Monina fez uma fita cassete por volta de 1984. Na fita, ela interpreta peças de Joaquin Turina, Manuel Ponce, Paquita Madriguera, Vladimir Rebikov, Anon, Rodrigo, Jorge Gomes Crespo, Milan Tesar e Alberto Ginastera. 

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Ricardo Dias aceitou o pedido do Acervo Violão Brasileiro de publicar aqui no blog tamanhas preciosidades. E nesta quinta-feira (06) criou o site Monica Tavora, pelo qual vai periodicamente publicar mais gravações da violonista. Novas surpresas estão por vir. No final do texto, que reproduzimos a seguir, Sergio Abreu afirma: "Há bastante tempo venho tentando organizar e digitalizar as gravações deixadas por Dona Monina com o objetivo de divulga-las. Penso então ser uma justa homenagem a seu centenário dar início à concretização desse projeto".  

Eis aqui o post de Ricardo Dias: “Hoje comemoramos o centenário de nascimento de Monina Tavora, professora ‘apenas’ do Duo Abreu e Duo Assad. Tive a felicidade de estar com ela, e foi uma impressão que levarei para o resto da vida. Um ser humano diferenciado. Tenho dúvidas se era de fato humana... No final do texto do Sergio Abreu sobre ela, temos um link para um artigo da Roberta Mourin, que está fazendo seu doutorado sobre ela, e um link para baixar algumas gravações inéditas dela".

Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário - (Foto Sergio Abreu, Monina Tavora e Eduardo Abreu - Arquivo particular Ricardo Dias)

(Sergio Abreu, Monina Tavora e Eduardo Abreu - Arquivo particular Ricardo Dias)

Texto de Sergio Abreu:

Hoje (03 de maio) comemoramos o centenário de nascimento da musicista e violonista argentina Adolfina Raitzin de Távora, que durante uma estada nos Estados Unidos, nos anos de 1952 e 1953, passou a adotar o nome artístico “Monina Távora”.

Não tenho como resumir em poucas palavras minha convivência com Dona Monina. Ela era uma enciclopédia. De música, de vida, de elegância, de caráter, de coerência, de integridade artística. Nada com ela era vulgar. Era uma pessoa profundamente complexa que, no entanto, sabia mostrar simplicidade em tudo o que fazia na música. Isso é imediatamente constatado quando se ouve uma interpretação dela ao violão: tudo no lugar, tudo bem sentido e pensado, tudo elegante, nada rebuscado ou pretensioso. A interpretação emana do sentido contido na própria música sem apelar para qualquer recurso artificial, com uma simplicidade que apenas os sábios conseguem atingir.

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Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário - (Monina Tavora - Acervo particular Ricardo Dias)

(Monina Tavora - Acervo particular Ricardo Dias)

Convivi com ela desde quando eu tinha 12 anos de idade e posso dizer, sem nenhuma dúvida ou exagero, que sem ela eu não teria tido a carreira que tive, nem como músico, nem como luthier. Levados pela mão de nosso avô Antônio Rebello, eu e meu irmão Eduardo percebemos desde o nosso primeiro encontro estar lidando com um ser humano sem par, sabíamos estar recebendo um privilégio único, sendo que sua presença amiga permaneceu conosco durante esse meio século que se passou desde então, por maior que fosse a distância física nos separando.

Adolfina Raitzin nasceu na Argentina em 3 de maio de 1921 e teve infância diferenciada: seu pai era um psiquiatra revolucionário, que tratava os doentes mentais em liberdade (motivo pelo qual a localidade onde estabeleceu sua clínica passou a se chamar Open-Door). Ela foi criada junto com estes pacientes e teve a formação escolar com eles, que foram seus professores. Talvez isso tenha ajudado a formar o ser humano singular que ela foi.

Desde muito cedo estudou violão com Domingo Pratt (que a ela se referiu em termos superlativos em seu Diccionario de Guitarristas publicado em 1934) e piano com Ricardo Viñes (durante o período em que este morou na Argentina, de 1930 a 1936). A propósito, Ricardo Viñes (1875-1943), célebre pianista catalão que viveu em Paris durante as três primeiras décadas do século XX, foi o intérprete preferido de Debussy e Ravel, dos quais estreou grande número de composições, várias dedicadas a ele, além de ter sido também o responsável pela primeira audição pública da Suite Iberia de Albeniz.

Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário - (Foto Andres Segovia)

(Andres Segovia)

Adolfina decidiu-se definitivamente pelo violão quando foi apresentada a Andrés Segovia e este a convidou a estudar com ele. Porém, nunca abandou o piano. Em seu diário ela escreveu naquele dia: "Hé tocado hoy para Andrés Segovia y le gustó. Yo prometo que voy a ser una gran artista". Estudou regularmente com Segovia durante vários anos e sobre este tinha sempre as palavras mais elogiosas e carinhosas, foi das poucas pessoas que tiveram de fato aulas sequenciais e uma convivência prolongada com o grande violonista. Ela tinha sempre na parede uma antiga foto emoldurada de Segovia com a dedicatória "Para Adolfina Raitzin, musa y artista" e tive oportunidade de ver alguns manuscritos musicais que ela recebeu do mestre, com belíssima caligrafia e cuidadosamente dedilhados.

Durante a juventude ela teve oportunidade de fazer amizade com músicos de várias nacionalidades que se hospedavam na quinta dos pais quando tocavam em Buenos Aires. Entre eles me recordo dos nomes de Yehudi Menuhin, William Kapell, Henryk Szering. Este último ficou emocionado quando lhe mencionei seu nome após um belíssimo recital que deu em Nova York, apenas para convidados, no Centro para Relações Interamericanas na Park Avenue.

Monina teve um começo de carreira espetacular mas decidiu largar tudo quando se casou com o geólogo brasileiro Elysiário Távora no início da década de 1940. Pouco tempo depois de seu casamento, recebeu uma carta de Segovia, então no meio de uma turnê, expressando sua surpresa com a notícia inesperada do matrimônio, prometendo um presente assim que retornasse a Montevidéu e desejando felicidade ao casal, mas sobretudo esperando que ela nunca fizesse justiça a um antigo ditado espanhol que dizia :"La mujer bonita es el paraíso de los ojos, el purgatório del bolsillo, y el infierno del alma".

Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário - (Foto Jodacil Damaceno)

(Jodacil Damaceno)

Passou a viver no Rio de Janeiro, onde residiu por mais de 30 anos e teve dois filhos brasileiros, Ruy Alejandro Távora e Virgílio Raitzin Távora, ambos diplomatas de carreira. Embora visitasse o país natal regularmente, só voltou a morar na Argentina em 1977, quando o marido se aposentou. Embora tendo desistido muito jovem da carreira de concertista, ainda assim continuou a se apresentar esporadicamente em público ou através do radio.

Em 1950 realizou um recital na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro, que causou assombro no meio musical carioca. A partir de então passou a ser muito solicitada por vários violonistas da cidade, tendo estabelecido sólida amizade especialmente com meu avô, Antônio Rebello, que por sua vez lhe apresentou meu pai, Osmar Abreu, bem como seu aluno Jodacil Damaceno, que com ela estudaram durante relativamente breve, porém, extremamente proveitoso período.

No início da década de 1950 passou dois anos com o marido e os filhos nos Estados Unidos, quando recebeu vários convites para reiniciar a carreira musical. Durante essa temporada americana passou uma semana em Lakeville trabalhando com Wanda Landowska a interpretação de música renascentista e barroca. Seu ultimo recital em público ocorreu no Town Hall em New York, em 1953, pouco antes do retorno ao Rio de Janeiro, com sucesso arrebatador tanto de público quanto de crítica, tendo a Guitar Review se referido ao evento como "Argentinean guitarist Monina Távora in a smashing Carl Fischer Hall debut" e fiquei surpreso com a legião de admiradores seus que encontrei naquela cidade quando lá estive pela primeira vez em 1970.

Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário - (Foto Wanda Landowska)

(Wanda Landowska)

Em 1960 meu irmão Eduardo e eu fomos a ela apresentados por nosso avô Antônio Rebello, e passamos a ter aulas regulares pelos 10 anos seguintes. A partir do final da década de 60 ela passou a dar aulas intensivas também aos irmãos Sergio e Odair Assad.

Admirada e respeitada pelos violonistas cariocas, era porém, igualmente temida por esses devido à sua reputação de perfecionista, exigente, e intransigente. Como consequência, suas maiores amizades no Rio de Janeiro se deram mais no meio musical não violonista. Entre seus grandes amigos e admiradores estavam o casal Francisco e Lidy Mignone, o casal Arnaldo Estrella e Mariuccia Jacovino, o crítico Antonio Hernandez. Também eram visitantes frequentes de seu espaçoso apartamento na Avenida Ruy Barbosa com vista deslumbrante para a baía de Guanabara os pianistas Antônio Guedes Barbosa e Arnaldo Cohen, o violoncelista Iberê Gomes Grosso, o cravista Roberto de Regina, além de cantores, violinistas e compositores.

Pouco depois de eu trocar a carreira de concertista pela de luthier, decidi fazer um violão especialmente para ela, pois sua avaliação e seus comentários seriam de valor inestimável para mim. Para minha grande surpresa e felicidade, esse instrumento que lhe enviei em 1984 lhe estimulou a tocar novamente. Não em público, porém, a partir de então realizou muitas gravações, utilizando um gravador de fita cassete caseiro, até que uma grave doença, conhecida como síndrome Guillain-Barré, quase lhe tirou a vida em meados da década de 1990 e lhe impediu definitivamente de tocar. Embora sem qualidade sonora profissional, ainda assim essas gravações exibem claramente seu excepcional estilo musical e violonístico.

Violonista Monina Tavora tem gravações e fotos raras descobertas em seu centenário - (Foto Duo Assad)

(Duo Assad)

No ano 2000 retornou com o marido ao Rio de Janeiro, onde ficou durante 5 anos e, já viúva, voltou à Argentina para passar seus últimos anos na casa de seu filho mais velho em Open-Door, mesma região em que havia passado a infância e a adolescência.

Seu estado de saúde sofreu um abalo devastador com a morte inesperada em outubro de 2010 de seu filho mais novo Virgílio. Eu tinha esperança de que, passado o impacto inicial, ela conseguisse aos poucos se recuperar. Isso infelizmente não aconteceu e ela faleceu menos de um ano depois, em 17 de agosto de 2011.

Há bastante tempo venho tentando organizar e digitalizar as gravações deixadas por Dona Monina com o objetivo de divulga-las. Penso então ser uma justa homenagem a seu centenário dar início à concretização desse projeto.

Sergio Abreu

Rio de Janeiro, 3 de maio de 2021

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