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Os 30 anos do violão Brahms, pioneiros de Portugal e outras histórias, por Teresinha Prada

Postado em Entrevistas em 16/11/2023

Os 30 anos do violão Brahms, pioneiros de Portugal e outras histórias, por Teresinha Prada – Foto: Teresinha Prada - Crédito: Felipe Zulian
(Teresinha Prada - foto: Felipe Zulian)

Entrevista a Alessandro Soares

A violonista, pesquisadora e professora do curso superior de Música da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Teresinha Prada, tem sempre ótimas histórias na ponta da língua. Suas iniciativas recentes estão focadas na Mostra Comemorativa 10 Anos do Bacharelado em Violão da UFMT, que começou em agosto e vai até dezembro. Ela vem a São Paulo em 24 de novembro (sexta-feira), para dar a palestra Apontamentos sobre o violão clássico em Portugal, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em São Paulo, das 15h às 17h, com entrada franca. E me convidou para, junto com o Acervo Violão Brasileiro, marcar os 30 anos da vitoriosa trajetória do violão Brahms, criado pelo violonista escocês Paul Galbraith. O pai do instrumento é um estrangeiro, mas o Brasil foi o campo fértil para que esse tipo peculiar de violão evoluísse de forma tão bem-acabada e com diversos solistas que o adotaram. De forma casual, esse texto saiu como entrevista ping pong. A ideia inicial era uma matéria curta sobre o bacharelado em Cuiabá, mas durante a redação, deu vontade de publicar tudo o que anotei na conversa. Formada em jornalismo e violão, Teresinha criou a antológica revista Violão Intercâmbio, que circulou entre os anos 1990 e parte dos anos 2000, ao lado do violonista e professor Gilson Antunes e do engenheiro de som Ricardo Marui. É autora dos livros Violão: de Villa-Lobos a Leo Brouwer e Gilberto Mendes: vanguarda e utopia nos mares do sul. Fez bacharelado em violão pela Unesp e mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina (PROLAM/ USP) na linha Comunicação e Cultura. Também é doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Atualmente, mesmo com a agenda de Professora titular da Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Federal de Mato Grosso (FCA/UFMT), Teresinha ainda consegue tempo para integrar o Núcleo de Investigação Caravelas – Lisboa (CESEM/UNL).

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Você coordena a Mostra Comemorativa 10 Anos do Bacharelado em Violão da UFMT. Como está organizada a Mostra?

Desde agosto estamos com uma série de eventos presenciais, em que os egressos da graduação do Bacharelado em Violão da UFMT tocaram e conversaram com o público sobre a carreira acadêmica e musical. Também realizamos uma live. Em 9 de novembro tivemos o recital de Gustavo Herrero, no Auditório da Faculdade de Comunicação e Artes da UFMT. O encerramento da Mostra será em 1° de dezembro com um concerto coletivo do qual vão participar Robson da Silva, Joel Carvalho, Gustavo Herrero e mais de 10 violonistas da cidade, além de uma roda de violão com palco aberto para quem quiser tocar. Essa mostra começou em 24 de agosto deste ano, com apresentação de Robson da Silva e em 30 de agosto foi a vez de Joel Carvalho. No dia 17 de outubro, quem tocou foi Hoberdan Peno, que participou da live comigo, com o escritor Lorenzo Falcão (da Academia Mato-grossense de Letras) e com o nosso convidado especial, o violonista Everton Gloeden, um dos fundadores do Brazilian Guitar Quartet e grande especialista em violão Brahms. Nesse evento abordamos os 30 anos de criação desse instrumento. Ao contrário dos demais violonistas, que moram aqui em Cuabá, Hoberdan (segunda turma do Bacharelado em Violão), saiu de Mato Grosso, fez mestrado na Universidade da Georgia, nos Estados Unidos e agora reside em Belo Horizonte (MG). Ele é um talento incrível e também toca violão Brahms.

Os 30 anos do violão Brahms, pioneiros de Portugal e outras histórias, por Teresinha Prada – Foto: Hoberdan Peno - Crédito: Divulgação

(Hoberdan Peno - foto: Divulgação)

Há 30 anos surgia o violão Brahms, como se deu essa invenção?

Em 1993 Paul Galbraith criou esse violão de 8 cordas tão especial, super comentado no mundo todo, mas pouca gente sabe que ele foi desenvolvido na sua permanência aqui em São Paulo. Foi algo experimental. No Brasil, Galbraith foi muito bem recebido, teve ambiente favorável e sossego para trabalhar e até anteriormente já havia recebido uma dica do Sergio Abreu. Eu acho que coisas assim merecem ser contadas. Everton é o grande especialista brasileiro no tema. Mas é um violão que ainda causa estranheza por puro desconhecimento das possibiidades desse instrumento, que até utiliza uma caixa de ressonância, feita a pedido de Paul ao luthier Antonio Tessarin para construir aquela caixa acústica, onde ele liga o espigão de violoncelo. Eu acho tudo isso uma discussão fora de época porque é próprio da história dos instrumentos de cordas dedilhadas haver experimentações. Tem aquelas fotos do francês Napoleon Coste (1805-1883) com um violão com dois braços. A gente já teve tanta mudança. O próprio apoio do pé do violão já passou por isso. Eu te peço, para junto com o Acervo Violão Brasileiro, tentarmos fazer ainda este ano alguma live, algum evento que marque esse aniversário. Tem vários meninos “bombando” com o violão Brahms. Apesar das polêmicas e contestações, é um instrumento que deu certo. Pegou! Os luthiers já o constroem. O próprio Hoberdan comprou o violão Brahms em Ribeirão Preto. É simplesmente um modelo de violão que propicia a ampliação da tessitura e, com isso, um monte de transcrições maravilhosas.

Os 30 anos do violão Brahms, pioneiros de Portugal e outras histórias, por Teresinha Prada – Foto: Paul Galbraith
(Paul Galbraith)

Como você liderou o processo de criação do bacharelado em violão em Mato Grosso?

Eu sou de São Paulo. Quando passei no concurso em 2006, eu sempre perguntava a meus colegas do departamento: “Olha, aqui só tem licenciatura, por que a gente não faz um bacharelado?”. As pessoas diziam que não teria uma demanda social, o perfil da cidade e do estado era a licenciatura, voltada as aulas na rede pública, a licenciatura de música é pra isso. Só que eu olhava pra cidade e tinha grupo aqui, grupo ali, orquestra aqui, orquestra ali. E eu pensava, nossa, essas pessoas estão se formando onde? Isso, porque a licenciatura não está ali pra dar uma formação performática, ela tá ali pra didática do instrumento. E eu ficava com isso na cabeça e foi passando o tempo e cada vez surgindo mais grupos. Até que um dia o próprio centro acadêmico e mais colegas foram se juntando a mim, entre as quais a regente Flávia Vieira e a professora de canto Helen Luce Pereira. Foi feito finalmente uma pesquisa na cidade e no interior perguntando se as pessoas fariam bacharelado em música e foi 100% de resposta positiva. Isso acabou nos dando força e a reitoria aceitou que a gente fizesse a proposta. Entre o pedido e a aprovação, demorou mais de 1 ano. Mas de 2011 a 2012, a gente fez tudo e em 2013 o curso foi implantado com seis habilitações: violão, violino, composição, clarineta, regência e canto. Já tem o pedido pra piano e percussão. Eu penso que uma coisa não prejudica a outra. Quem quer ser professor continua fazendo licenciatura. Quem quer trabalhar como músico e investir em performance com mais profundidade faz o bacharelado.

Os 30 anos do violão Brahms, pioneiros de Portugal e outras histórias, por Teresinha Prada – Foto: Grupo violões da UFMT – da esquerda para a direita – Robson da Silva, William Costa, Sergio Ribeiro, Gustavo Herrero, Thiago de Oliveira e Teresinha Prada - Crédito: Felipe Zulian

(Grupo violões da UFMT: da esquerda para a direita: Robson da Silva, William Costa, Sergio Ribeiro, Gustavo Herrero, Thiago de Oliveira e Teresinha Prada - foto: Felipe Zulian)

Quais são frutos colhidos com o bacharelado?

Olhando assim, dois alunos já são mestres, um estudou nos Estados Unidos, que é o Hoberdan Peno, fez mestrado na Georgia. Outro que é  Robson da Silva, mestre em Música pela Unicamp, que estudou com Gilson Antunes. Todos os alunos estão trabalhando, todos tocam. Esses 10 anos foram mostrando que não se trata de lançar uma quantidade enorme de profissionais no mercado. São dois a três por ano. São quatro vagas. A população de Cuiabá gira em torno de 600 mil habitantes.  Mas o bacharelado movimentou bastante a cidade, prestou uma contribuição bem grande porque as pessoas foram se especializando, foram construindo suas carreiras. Temos aluno de violino que já ganhou prêmio, que está fazendo mestrado no exterior. Os frutos não se restringem ao violão, porque afinal eles tocam juntos, fazem música de câmara. Foi uma mudança grande no aprofundamento da performance, cada música bem estudada, diferente do contexto do que vinha sendo feito só com a licenciatura. Porque não é obrigação da licenciatura ver isso, o foco dela é outra coisa. E aí eu fiz um estudo, o Gilson ajudou, o Fabio Scarduelli também, sobre nossas disciplinas. O conteúdo programático foi verificado, inclusive os currículos, então estamos em pé de igualdade com a UFRJ, USP, UNICAMP. A gente fez questão de estar junto no conteúdo programático. Nesses 10 anos já formamos muitos violonistas. Todos eles são profissionais, professores, solistas. Joel foi o primeiro a se formar. Gustavo é o mais recente.

Os 30 anos do violão Brahms, pioneiros de Portugal e outras histórias, por Teresinha Prada – Foto: Joel de Carvalho - Crédito: Herik

(Joel de Carvalho - foto: Herik)

Concluindo essa entrevista, como vai ser a palestra que você fazer dar no Sesc em São Paulo em 24 de novembro?

Vai ser no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, às 15h. Vou falar de momentos emblemáticos do violão clássico em Portugal, pelo viés de uma pesquisa que realizei entre 2018 e 2022. Visitei bibliotecas, acervos, conservatórios e universidades, conversei com profissionais de lá. Eu pretendo destacar momentos históricos das cordas dedilhadas em Portugal, culminando com a implantação dos cursos superiores de Guitarra Clássica (nomenclatura do violão clássico lá), com exemplos musicais e um panorama do cenário violonístico no país. Certamente vou citar alguns personagens da cena portuguesa do violão, entre eles o músico português António Augusto Urceira, cuja biografia e trajetória musical foi tema de um texto que escrevi. Ele nasceu em Lisboa, entre 1885 e 1886 (não se sabe ao certo). Pesquisando sobre ele, percebemos que a pluralidade é a melhor maneira de descrever suas atividades. E o quanto o repertório que escolheu e sua performance foram inovadores para a primeira metade do século XX.

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