Voltar

Isaías Savio: mestre encantador e apaixonado por violão, por Gisela Nogueira

Postado em Cartas de amor em 01/10/2020

Isaías Savio: mestre encantador e apaixonado por violão, por Gisela Nogueira - Isaías Savio e Sérgio Abreu, Rio, 1963

(Isaias Savio e Sérgio Abreu, Rio de Janeiro, 1963 - Acervo particular Ricardo Dias)

Por Gisela Nogueira

(Especial para o Acervo Violão Brasileiro)

Quem conheceu Isaias Savio viveu uma experiência única na vida e guarda a memória de um homem encantador, generosíssimo e de bondade extrema. Sou testemunha disso, pois tinha 13 anos de idade quando comecei a estudar com ele e vivi histórias deliciosas. Eu estudava em um conservatório em São Paulo e as pessoas falavam muito dele, a exemplo da minha professora Maria Aparecida Santana, que havia estudado com ele, além de outras duas violonistas (uma colega de escola e Teca, que ajudava na produção do coral da escola).

De certa maneira, fui empurrada a procurar o Savio e ainda peguei a época das aulas no estúdio que ele tinha na Rua Conselheiro Nébias, perto do Conservatório Dramático de São Paulo e da fábrica Del Vecchio, junto à Avenida São João. Isaias Sávio morreu alguns anos depois, quando eu estava me preparando para a faculdade. A morte dele foi uma das piores dores que senti.

Deferência do mestre

Minha mãe era uma pessoa interessantíssima, muito culta. Ela me levava muito ao Teatro Municipal e uma vez fomos ao recital solo de Sérgio Abreu. Fiquei encantada com a obra Sir John Smith His Almain, do John Dowland, que quase ninguém conhecia no Brasil até então. Na aula seguinte, levei o programa do concerto e falei “mestre, eu queria muito tocar isso aqui”. Ele tinha a obra completa de todo mundo que se podia imaginar e lá estava a peça de Dowland em tablatura. E ele falou: “chica, vou transcrever para você”.

Isaías Savio: mestre encantador e apaixonado por violão, por Gisela Nogueira

Na semana seguinte, ele me deu a transcrição a lápis. Eu fiquei encantada com a deferência do mestre, com essa presteza em atender ao desejo de uma criança. Eu toquei com uma paixão extrema e ele ficou encantado também.

Todos os seu ex-alunos que moravam no exterior, quando vinham ao Brasil, iam imediatamente visitá-lo. E foi assim que conheci Antonio Carlos Barbosa-Lima. Em duas ocasiões ele chegou para visitar Isaías Savio quando eu estava tendo aula. Ele assistiu a aula até o fim.

Quando terminei a faculdade, queria muito estudar na Inglaterra e mandei o formulário de inscrição para o mestrado do Royal Northern College of Music, com Gordon Crosskey. Logicamente, ele não me conhecia e queria alguma referência. Encontrando-se com Barbosa Lima, perguntou sobre mim e ele respondeu “esta menina é um prodígio. Você tem que aceitá-la. Eu a conheço pessoalmente”. E foi assim, por causa de Isaías Sávio, que eu fiz mestrado na Inglaterra com Gordon, como eu queria.

Generosidade

Outra história também me marcou muito. Sávio se desfez do estúdio no Centro e eu passei a ter as aulas na casa dele, uma casa muito simples na Vila Maria do Alto, na zona Norte de São Paulo. Na época, eu morava em Moema e levava muito tempo para chegar à sua casa. Minha mãe, grande incentivadora, me levava de carro.

Certa vez, quando nós chegamos, eu vi alguns rapazes almoçando em sua casa. Tive minha aula e no final, conversando com a esposa dele, Youky Dubois, eu perguntei se eles eram seus parentes, pois eu sabia que ela era francesa e Sávio era uruguaio. E ela falou “não, não. Esses são alunos do Norte (não lembro qual o estado do país). Eles vêm uma vez por mês e como não têm condições, Isaias paga a passagem de ônibus e a gente os hospeda aqui no fim de semana para eles terem aula.  Eu cheguei a encontrá-los várias vezes. Eu desconhecia tamanha generosidade.

Paixão pelo violão

Perto de sua morte, Sávio estava sofrendo muito (o câncer afetou seus ossos) e nós, seus alunos, nos reunimos para buscar contatos e colocá-lo em algum hospital. Falamos com um ex-aluno dele, na época, deputado estadual, que conseguiu uma vaga no Hospital Santa Helena, para que ele pudesse tomar medicamentos para dores, etc. Ele já estava numa fase terminal da doença, todos sabíamos.

Eu ia visitá-lo todos os dias no hospital. Em uma visita eu perguntei: “mestre, o senhor dedicou sua vida ao violão, o senhor gostaria de deixar mais alguma coisa para nós, quer que eu traga um caderno com pauta para escrever? E ele falou: “olha chica, eu vou lhe dizer uma coisa: eu gosto tanto e continuo tão apaixonado pelo violão que se eu pudesse nascer de novo, dedicaria novamente a vida inteira ao violão”. Foi a última coisa que ele falou para mim.

Isaías Savio: mestre encantador e apaixonado por violão, por Gisela Nogueira

(Gisela Nogueira)

 

Ajude a preservar a memória da nossa cultura e a riqueza da música brasileira. Faça aqui sua doação.