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Edhir Izzi Lins (Bandeirante)

Nascimento: 16/09/1923

Falecimento: 18/10/1980

Natural de: Rio Claro (SP)

Pioneiro do ensino pelo método de cifras e o introdutor no Brasil, em fase embrionária, da análise funcional em harmonia
Edhir Izzi Lins (Bandeirante)

Por Jorge Carvalho de Mello

O maior legado de Bandeirante para o violão brasileiro é o pioneirismo do ensino pelo método de cifras, além de ser o introdutor das primeiras concepções sobre harmonia funcional no país. Desde os anos 1940 até perto de morrer, foi professor de inúmeros músicos e artistas, entre eles Carlos Lyra e Bola Sete, e publicou vários livros nos quais difundiu sua didática revolucionária.  

Antes de Bandeirante, os métodos de violão até então existentes eram, na verdade, coleções de acordes, enquadrados em nomenclatura bem simples, com expressões do tipo “primeira do tom”, “terceira do tom” e “preparação”. É verdade que o uso de cifras já era utilizado no Brasil, como nos arranjos escritos da Rádio Nacional, mas faltava a aplicação no ensino do violão. Coube ao Bandeirante inaugurar essa didática. 

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Neste sentido, Bandeirante é considerado precursor das revistas de violão e guitarra, as chamadas “vigus”, que invadiram as bancas de jornais do país, sobretudo entre as décadas de 1970 e 1980. Da mesma forma, os livros de Bandeirante representam a base inicial para métodos surgido depois, como o de Paulinho Nogueira e, principalmente, os de Almir Chediak, que empreendeu grandes mudanças editoriais no campo de acordes cifrados, harmonia e a coleção de dezenas de songbooks.    

Origem

Filho do tenente do Exército Manoel Balbino Lins e de Thereza Izzi Lins, Edhir Izzi Lins nasceu em Rio Claro, São Paulo. Começou a estudar violão aos 15 anos, já morando na capital paulista, e praticamente sozinho, pois ao que consta a família não tinha inclinações musicais. Os progressos no instrumento foram tão vertiginosos que ele abandonou a tentativa de seguir os rumos do pai, apesar de inicialmente ter se planejado nesse sentido.

Na trajetória pelas emissoras, Bandeirante começou tocando na Rádio Clube de Rio Claro, em 1939.  Em 1940, passou a se apresentar nas rádios Record e Piratininga, em São Paulo e, dois anos depois, acompanhou em festivais, cinemas e teatros os grandes cantores como Francisco Alves, Carlos Galhardo, Orlando Silva e Vicente Celestino, com que chegou a fazer uma pequena excursão pelo interior paulista.

Em 1943 integrou a orquestra do maestro J. França. É a partir desta época que Bandeirante tem interesse de desenvolver um método diferente para o ensino do violão. Este processo passou a ser conhecido mais tarde pelo nome de cifras.

Bandeirante na Orquestra de J França

Cassino e boates cariocas

Em 1945, Bandeirante foi morar na cidade do Rio de Janeiro, indo trabalhar em lugares como Cassino da Urca, Hotel Quitandinha, Boates Casablanca e Nigth and Day, junto a orquestras dirigidas por Vicente Paiva, George Brass e Waldemar Szpillman e conjuntos como os de Djalma Ferreira, Waldyr Calmon e os Milionários do Ritmo. Ao longo de 1950, na programação da Rádio Guanabara, aparece com frequência “Bandeirante e seu conjunto”.

Nesse mesmo ano, integrou como guitarrista do sexteto de Georges André, junto com Abel (clarinetista), Carlinhos (pianista), Gugú (contrabaixista), Gaúcho (baterista) e Roberta (cantora) (Carioca,17/08/1950,pg52).

Professor de violão e guitarra

Ainda em 1950 – e com o slogan de professor Bandeirante da Rádio Guanabara - ele anunciava em jornais o Curso Euterpe, no qual dava aulas de violão e guitarra havaiana por um “método ultramoderno, bastante prático e eficiente”. O músico também ensinava como transformar um violão acústico em elétrico, adaptando no instrumento o novo intersonus que, para amplificar o som, era ligado a aparelhos de rádio.

As aulas podiam ser individuais ou coletivas e até por correspondência. Bandeirante ensinava também cavaquinho e bandolim e as aulas presenciais eram dadas em sua casa, que ficava numa vila na rua Voluntários da Pátria nº 34, em Botafogo, Rio de Janeiro.

Em 16 de setembro de 1951, apresentou-se na Rádio Ministério de Educação, no programa A Hora do Comerciário, como integrante do trio formado por ele, Babi de Oliveira (Piano e solovox) e Gumercindo Silva (contrabaixo). Nessa apresentação, Bandeirante tocou violão elétrico, guitarra havaiana e violão celeste (Diário de Notícias, 16/09/1951, pg8).

Discos

Na série de LPs de 10 polegadas da gravadora Rádio - Ritmos Melódicos - inaugurada por Waldir Calmon e seu Conjunto em 1952, o segundo disco foi gravado por Bandeirante e Seus Melódicos, que em outubro do mesmo ano liderou a lista dos “dez discos mais vendidos na semana que passou”, da loja especializada de W. M. Reis (que ficava na Av. Rio Branco, esquina com a rua do Ouvidor). Na esteira do sucesso, Bandeirante e Seus Melódicos atuaram em bailes, como na Festa de Coroação da Rainha do E.C.Trieste, em 13 de dezembro, e no réveillon da Associação Atlética do Banco do Brasil.

Em janeiro de 1953, Bandeirante reabriu o curso, ensinando a solar e a acompanhar músicas no violão, guitarra havaiana, cavaquinho e bandolim. No anúncio publicado no Jornal do Brasil, em 31 de janeiro (pg 12), ele sugere aos futuros alunos a escutar nas lojas de discos o LP Bandeirante e Seus Melódicos. As atividades didáticas foram continuadas ao longo daquele ano.

No cinema, Bandeira participou da comédia Carnaval em Marte, produzida e dirigida por Watson Macedo, com elenco formado por Anselmo Duarte, Ilka Soares e Violeta Ferraz. Na parte musical, os sucessos para o carnaval de 1955, eram apresentados por Ângela Maria, Emilinha Borba, Linda Batista, Carmen Costa, Jorge Veiga, Jorge Goulart, Caubi Peixoto, Bandeirante e Seus Melódicos e outros artistas. (Diário Carioca.09/01/1955)

Sinter, Uruguai e Argentina

De contrato assinado com a Sinter desde o final de 1953, Bandeirante e Seus Melódicos gravaram dois 78 RPM. O primeiro deles, lançado em 1954, tem a polca Rumo à Suiça e o bolero Ibéria, ambas de sua autoria. Já em março de 1956, veio o segundo disco, no qual Bandeirante lança mais duas de suas músicas: o baião Saara e o bolero Lembranças.

De acordo com vários jornais da época, a exemplo de Fon Fon (26/03/1955, pg 12), Diário Carioca (06/02/1955,pg2) e A  Noite (22/04/1955,pg9),  Bandeirante e Seus Melódicos lançaria o LP Sucessos Populares. Mas esse disco encontra-se desaparecido. Ainda em 1955, o conjunto de Bandeirante atuou na boate Stud do Téo, em 2 de março, com o concurso dos cantores Waldir Foster e Olinda Alves.

Desde abril daquele ano, Bandeirante e Seus Melódicos tocavam na Rádio Carve e na Confeitaria Ateneo, em Montevidéu, no Uruguai. Consta que eles estavam contratados pela gravadora Sondor, já tendo gravado um disco e em processo de gravação de um segundo (Diário da Noite,05/07/1955, pg 7). Após temporada em Montevidéu, eles se apresentaram na boate King’s Club, em Buenos Aires, Argentina. Nessas apresentações, o grupo contava com a participação do excêntrico Lord Chevalier e da cantora Jandira (O Jornal,30/11/1955,pg 7). Na capital portenha, eles também atuaram em programas de rádio e televisão (Revista do Rádio,24/12/1955, pg 40).  

Pioneiro da cifra e da análise funcional

Ainda em 1955, Bandeirante lançou o livro ABC do Violão que, segundo o Jornal do Brasil, era composto de 2 mil acordes dissonantes cifrados (24/09/1955,pg 22). Esta parece ser a primeira referência sobre o ensino de violão por cifras no Brasil.

Outro livro, ainda mais revolucionário, estava para ser lançado: Teoria, Cifras e Violão, Piano e Acordeão, dedicado ao grande amigo Garoto (Aníbal Augusto Sardinha), fez grande sucesso, ampliando para piano e acordeon os solos e acompanhamentos com harmonias modernas. Nessa obra encontra-se o embrião da análise funcional no país.

No final do livro, o autor cita vários alunos que participaram do processo de elaboração da obra, entre eles Carlos Lyra e Bola Sete, que mais tarde teriam fama internacional. A lista inclui Hamilton Costa (violonista de Waldir Azevedo), Candinho (violonista e compositor, que formou o Trio Penumbra, com Luiz Eça e o baixista Jambeiro), Stelinha Egg (cantora, compositora e atriz) e Tereza Conceição (violonista que foi também aluna de Garoto, Luiz Bonfá e Othon Salleiro).

O arquiteto e fotógrafo Celso Brando (que gravou com Roberto Menescal, a cantora Wanda Sá e o pianista Tenório Jr.) e o médico Carlos Gomide também tiveram aulas com Bandeirante e são citados no livro, mas não seguiram como músicos profissionais, embora jamais tenham abandonado a música. Segundo Gomide, o livro do Bandeirante foi referência para a grande maioria dos violonistas que migraram para a Bossa Nova.

Bandeirante ampliou o leque de publicações, com Harmonilândia e suas revistinhas, ABC do piano, ABC do violão, Be-a-Bá do Violão, Cifrasolo e Ritmolândia (disco), na década de 1960, de tal forma que alguns outros professores anunciavam aulas de violão pelo método do Bandeirante.

Esposa e filhos

Em 10 de dezembro de 1960, Bandeirante se casou com Eny Rocha Lins, com quem teve os filhos Suely. Shirley e Ricardo. Dos três, Shirley foi a única que herdou o talento do pai e, mesmo sem seguir carreira profissional, tocava por lazer dentro de casa e estudava a fundo o instrumento.

Como demonstração de amor que tinha pelos filhos, Bandeirante sempre se apresentava com uma chupeta pendurada no braço de seus instrumentos – na altura das tarrachas - fosse cavaquinho, violão ou guitarra. Fazia a mesma coisa no retrovisor do automóvel. O símbolo da chupeta também estava presente nos livros que escrevia, todos eles confeccionados e publicados pelo próprio autor.

Revenda de instrumentos

Além das aulas que ministrava, Bandeirante vendia e trocava instrumentos musicais. Com esse objetivo, costumava viajar de trem ou de vespacar (que nem motocicleta de três rodas) para São Paulo, onde comprava violões na Del Vecchio para revendê-los em sua residência em Botafogo, no Rio.

Na década de 1970, Bandeirante continuou firme dando aulas, em jornadas que começavam por volta das 8 horas da manhã e podiam se estender até tarde da noite. Mas reduziu as apresentações. Ainda assim, tocou por um período no restarurante Bozó, que funcionava na Rua Dias Ferreira, no Leblon, nas terças e quintas. Ele só parou de trabalhar em junho de 1980, quando adoeceu por problemas na próstata e de diabetes. Morreu em 18 de outubro de 1980, no Rio de Janeiro. O reconhecimento de Bandeirante é muito aquém da sua importância. Com ajuda dos filhos do violonista, o Acervo Digital do Violão Brasileiro teve acesso a fotos e a informações complementares para produzir este verbete.


Bandeirante (Edhir Izzi Lins)

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