Por Gilson Antunes
Um dos mais importantes violonistas brasileiros de todos os tempos, Barbosa-Lima foi um grande divulgador - de forma muito intensa e singular - do repertório clássico e popular brasileiro, latino-americano e jazzístico em todo o mundo, tendo recebido a admiração de músicos como Tom Jobim, Charlie Byrd, Andrés Segovia e vários outros. O envolvimento dele com compositores do nível deo argentino Alberto Ginastera (1916-1983) motivou o surgimento de obras-primas do violão, como a Sonata opus 47.
Os arranjos de Barbosa-Lima estão entre os mais criativos e bem realizados do violão moderno. E suas gravações inspiraram violonistas de pelo menos cinco gerações distintas. Ele foi também um dos principais responsáveis (ao lado de Geraldo Ribeiro) pela tentativa de colocar a viola brasileira nas salas de concerto clássicos, por intermédio do compositor Theodoro Nogueira.
Venerado por músicos e estudantes clássicos e populares, Barbosa-Lima se dedicou com igual afinco às mais diversas manifestações artísticas na música, tendo obtido a admiração dos maiores músicos da atualidade e com uma discografia das mais ecléticas. Dessa forma, seu nome e sua carreira representam o violão moderno como poucos.
Infância
Nascido no bairro do Brooklyn, em São Paulo, Antonio Carlos Ribeiro Barbosa-Lima iniciou seus estudos de violão aos 7 anos de idade observando as aulas de seu pai, estudando em seguida com Benedito Moreira. Aos 9 anos, demonstrando enorme capacidade musical, por intermédio de Francisco Del Vecchio, foi apresentado a Luiz Bonfá, que lhe recomendou estudar violão clássico com seu professor Isaías Sávio.
Em novembro de 1957, aos 12 anos, fez seu primeiro recital em São Paulo, e no ano seguinte, apresentou-se na televisão e fez seu debut no Rio de Janeiro. Essas duas apresentações lhe renderam contrato com a gravadora Chantecler para a gravação de seu primeiro disco, Dez Dedos Mágicos Num Violão de Ouro, em 1958. No ano seguinte, gravou O Menino e o Violão, sendo que ambos os discos – com repertório escolhido por seu professor Isaías Sávio - lhe colocaram como um dos maiores prodígios do violão daquela época. Pouco depois já fazia aula de matérias teóricas com Theodoro Nogueira, que lhe apresentou a viola brasileira.
Já em 1960, Barbosa-Lima começou sua gloriosa e longeva carreira internacional como concertista, além de seu envolvimento com músicos populares como Baden Powell e Alaíde Costa. Em 1964 gravou, com supervisão de Guido Santorsola, um célebre disco com transcrições de músicas de Catullo da Paixão Cearense (Imortal Catullo) e tocou na trilha sonora do filme Vereda da Salvação (com viola brasileira), lançando em 1965 outro disco de transcrições, dessa vez com repertório de modinhas. Isso chamou atenção inicial para o altíssimo nível de seus arranjos.
A estreia de Barbosa-Lima nos Estados Unidos ocorreu em 1967, em Washington, quando tinha 23 anos de idade, tocando também em Nova York, no célebre Carneggie Hall. No ano seguinte, participou do curso de Santiago de Compostela, na Espanha, apresentando-se para Andrés Segovia, e firmou contrato com o empresário Harold Shall.
Entre as célebres gravações de Barbosa-Lima na década de 1960 estão um disco contendo o Concerto em Modo Frígio, de Eduardo Grau (em 1964) e o Concertino para Viola Brasileira e Orquestra, de Theodoro Nogueira (em 1962), sendo essa uma das obras-primas do repertório da viola.
No final da década de 1960, participou como professor e concertista do Festival Internacional de Violão de Porto Alegre, organizado pelo Liceu Palestrina. Entre os convidados daquela edição também estiveram Francisco Mignone, Abel Carlevaro e Isaías Sávio.
Em 1970 foi apresentado por Isaías Sávio ao compositor brasileiro Francisco Mignone, que lhe dedicou os 12 Estudos para Violão, um dos principais ciclos brasileiros para o instrumento.
Sua gravação no início dos anos 70 e posterior publicação de seus arranjos de algumas sonatas de Domenico Scarlatti lhe renderam excelentes críticas e comentários, especialmente de Andrés Segovia, tornando esse trabalho um dos mais lembrados pelos violonistas.
Poucos anos depois, iniciou a carreira didática na Universidade de Pittsburgh (1974-1978). Isso, aliado à sua carreira como virtuose do violão, chamou atenção de importantes compositores estrangeiros como Albert Harris, Leonardo Balada, John Duarte e o já citado Alberto Ginastera, que passaram a compor para ele.
Em 1977 tocou outra grande obra de Mignone, o Concerto para Violão e Orquestra, no Kennedy Center, em Washington. No ano seguinte, lançou em LP os 12 Estudos para Violão desse compositor. É dessa época, também, o Concerto nº 2 para Violão e Orquestra, de seu antigo professor de matérias teóricas Guido Santórsola, que lhe dedicou essa obra.
Três anos depois Barbosa-Lima se mudou para Nova York, onde começou a dar aulas na Manhattan School of Music. Lá ele teve entre seus alunos alguns brasileiros como o gaúcho Daniel Wolff, a paulista Ana Maria Bedaque e o mineiro Fernando Araújo, entre outros. Barbosa-Lima também deu aulas e masterclasses em escolas importantes, como a Julliard School e o Royal College of Music em Londres.
Após travar contato com o violonista de jazz Charlie Byrd (1925-1999), assinou contrato com o selo jazzístico Concord Records, o que resultou na gravação de vários CDs com obras de Scott Joplin, Luiz Bonfá, Cole Porter, Charlie Byrd e Laurindo Almeida, entre outros, além de gravações com Sharon Isbin e Thiago de Mello. É desse período, também, sua amizade com Tom Jobim, que resultou em uma de suas mais conhecidas gravações, Carlos Barbosa-Lima Plays the Music of Antonio Carlos Jobim and George Gershwin. Uma das transcrições de Barbosa-Lima é justamente a da Rhapsody in Blue, que ele gravou com a violonista estadunidense Sharon Isbin.
Em 1989 Barbosa-Lima deu um recital no Wigmore Hall, em Londres, como parte do projeto Música das Américas, em comemoração ao centenário da república do Brasil. Nesse mesmo ano apresentou-se no Projeto Violões, em São Paulo, no Teatro Cultura Artística, após vários anos sem se apresentar no Brasil.
Em 2010 assinou contrato com a Zoho Records, focada em repertório latino-americano, tendo gravado com Berta Rojas e Victor Pellegrini, entre outros.
O violonista possui ainda diversos arranjos publicados por editoras como Mel Bay, entre eles peças de Dave Brubeck, Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Seus arranjos, apesar de muito bem escritos, estão entre os mais difíceis do repertório violonístico em termos de técnica do instrumento.
Entre suas principais últimas apresentações no Brasil, constam sua interpretação do Concerto para Violão e Orquestra, de Francisco Mignone, no Movimento Violão.
Carlos Barbosa-Lima faleceu em 23 de fevereiro de 2022, em Paraty, no Rio de Janeiro. O seu nome se mantém numa posição privilegiada dentro da história do violão brasileiro. O fato de ter sido um dos principais divulgadores da música brasileira no exterior o colocou como uma espécie de embaixador do violão, título que poucos músicos, de qualquer instrumento, lhe fazem ou fizeram sombra.
Discografia selecionada:
-Dez Dedos Magicos Num Violão De Ouro (Chantecler, 1958)
-O Menino e o Violão (Chantecler, 1959)
-Concerto de Violão (Chantecler, 1969)
-Recital Brasileiro I (Chantecler, 1961)
-Recital Brasileiro II (Chantecler, 1962)
-Viola Brasileira (Chantecler, 1962)
-Missa de N. Sra. dos Navegantes (Chantecler, 1963)
-Concerto em Modo Frígio (RGE, 1964)
-Imortal Catullo (Chantecler, 1964)
-Modinhas (Chantecler, 1965)
-Recital Brasileiro III (Chantecler, 1966)
-Carlos Barbosa-Lima Plays Scarlatti Sonatas (Westminster, 1971)
-12 Estudos para Violão de Francisco Mignone (Phillips, 1978)
-Suite n.1 de Leonardo Balada (Independente, 1981)
-Brasil e o Violão (Continental, 1980)
-Carlos Barbosa-Lima Plays Jobim & Gershwin (Concord, 1982)
-Carlos Barbosa-Lima Plays Scott Joplin (Concord, 1983)
-Carlos Barbosa-Lima Plays Bonfa & Porter (Concord, 1984)
-Impressions (Concord, 1985)
-Brazil, With Love (com Sharon Isbin) (Concord, 1986)
-Rhapsody in Blue/West Side Story (com Sharon Isbin) (Concord, 1987)
-Music of Bobby Scott (independente, em fita cassete, 1988)
-Music of the Brazilian Masters (com Charlie Byrd e Laurindo Almeida) (Concord, 1990)
-Music of the Americas (Concord, 1991)
-Chants For The Chief (com Thiago de Mello) (Concord, 1992)
-Ginastera's Sonata (Concord, 1993)
-Twilight in Rio (Concord, 1994)
-Quintet Music for Guitar (com Charlie Byrd) (Concord, 1995)
-Brazilian Guitar (Mel Bay, 1996)
-From Yesterday to Penny Lane (Concord, 1997)
-O Boto (Concord, 1998)
-Siboney (Zoho, 2001)
-Frenesi (com convidados) (Zoho, 2002)
-Between Two Worlds (Labor Records, 2003)
-Carioca (com convidados) (Zoho, 2005)
-Alma y Corazon (com Berta Rojas) (On Music, 2008)
-Merengue (com convidados) (Zoho, 2009)
-Romance of the Guitar (duetos com Byron Yasui) (River Bank, 2010)