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Alcides Baptista Freitas (Catiá)

Nascimento: 01/12/1930

Falecimento: 31/12/2021

Natural de: Belém (PA)

Violonista, compositor, arranjador e professor, Catiá é um dos principais nomes da história do violão e do choro no Pará. Possuía em seu vasto repertório, peças clássicas, populares, arranjos e composições próprias.
Alcides Baptista Freitas (Catiá)

Por Maurício Gomes

No ano do nascimento de Catiá, o violão era um dos instrumentos mais populares no Brasil, especialmente em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Na Amazônia e em Belém, também era muito popular e foi o instrumento escolhido por Catiá. Alcides Baptista Freitas, nasceu em 01 de dezembro de 1930, no bairro do Canudos em Belém do Pará. Filho de Manoel Baptista Freitas e Júlia Borges de Souza, desde criança teve atração pela música e em especial por instrumentos musicais de cordas dedilhadas. Aos dezessete anos começou a tocar cavaquinho e pouco tempo depois começou o estudo de violão. Apesar da relação de Catiá com a música não agradar muito o pai, que tinha medo de que o filho se viciasse em bebida, o interesse foi maior e Catiá aprendeu a tocar escondido.

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O apelido Catiá surgiu na infância. O pequeno Alcides costumava brincar com peteca, peão e uma miniatura de peão, chamada de "carrapeta". Havia um senhor que morava em frente à sua casa e fabricava o pequeno peão. Alcides já não gostava de brincar com o peão de tamanho normal e sim com o pequeno peão chamado carrapeta. Seus colegas de brincadeiras, observando isto, começaram a chamá-lo de "Carrapeta". Depois o apelido transformou-se em "Catiá".

Desde pequeno, Catiá demonstrava gosto pela música. Catiá construía uma espécie de cavaquinho improvisado. Utilizando-se de uma tábua, colocava pregos nas extremidades e amarrava nos pregos cinco ou seis linhas de uma extremidade à outra. Usava um pedaço de caixa de fósforos como palheta para tocar as cordas do instrumento improvisado. Queria ouvir o som que se produzia, pois gostava, achava bonito.

Cavaquinho

O movimento musical na avenida Cipriano Santos (bairro do Canudos) motivou em Catiá a vontade de aprender cavaquinho. Próximo à sua casa reuniam-se músicos que tocavam violão, cavaquinho, pandeiro, além de cantores.

Aos dezessete anos, Catiá aprendeu a tocar cavaquinho assistindo as aulas de seu primo, que estudava com o cavaquinista Paturi. O primo não queria que Catiá utilizasse seu instrumento. Por intermédio de sua tia, Catiá tinha a oportunidade de treinar escondido no cavaquinho.

Neste período, Catiá frequentava a casa de um vizinho chamado Orlando, que gostava de violão e tocava um pouco também. Nesta residência, o músico paraense costumava treinar choros em horários nos quais seu pai já estava dormindo. Um dia Catiá estava tocando cavaquinho e foi surpreendido por seu pai, que o viu tocar. Admirado com o filho, o pai logo encomendou um cavaquinho do luthier João Bezerra.

O violonista Cícero e sua irmã chamada Lili, que tocava violino, eram amigos de juventude de Catiá. Sempre convidavam Catiá para tocar junto com eles em festas e serenatas. Então pediam para seu Manoel deixar Catiá ir com eles. Seu Manoel sempre deixava, porque sabia que com eles Catiá voltava cedo. Catiá tocava cavaquinho, Cícero tocava violão, Lili tocava violino e arranjava-se alguém para tocar pandeiro. Estava pronta a festa.

Violão

Em pouco tempo Catiá deixou o cavaquinho para se dedicar ao violão, por incentivo dos colegas. Catiá frequentava a casa de um primo que era aluno de violão de um violonista conhecido como Canhoto. Catiá chegou a assistir várias aulas de Canhoto ensinando seu primo e isso certamente contribuiu para o seu aprendizado violonístico. Através de Canhoto, Catiá também adquiriu vários métodos de violão.

Nessa época, Catiá recebeu, informalmente, alguns ensinamentos sobre técnica com o violonista Cícero. Ele já tocava violão, mas não sabia a maneira correta do dedilhado da mão direita. Tocava utilizando só o polegar e o indicador. Com o ensinamento de Cícero, Catiá começou a revisar as músicas que já tocava, passando a utilizar a técnica correta da mão direita. Cícero gostou do empenho de Catiá e ensinou a ele alguns de seus choros para violão. Depois passaram a fazer muitas serenatas juntos.

Através da convivência entre os músicos chorões de Canudos e os do bairro de São Braz, Catiá conheceu o cavaquinista Aurino. Quando Aurino viu Catiá acompanhando músicas no violão, tocou choros como “Brasileirinho”, “Pedacinhos do Céu”, e “Delicado”. Aurino convidou Catiá para integrar o seu grupo e incentivou o violonista a aprimorar-se no acompanhamento de choros e no aprendizado de solos de violão.

Como ninguém gostava de ensinar ninguém, Catiá tinha que ouvir gravações e aprender tudo “de ouvido”. Em um botequim próximo ao mercado Ver-o-Peso, havia uma eletrola e vários discos de choro. Catiá comprava uma ficha e colocava na eletrola para tocar a música desejada. Era ali que o músico aprendia os acompanhamentos de choros famosos de Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim e solos de violão de Dilermando Reis. Catiá aprendeu a solar quase todas as composições de Dilermando Reis.

Dessa forma, Catiá acostumou-se a acompanhar utilizando as chamadas “baixarias" e se tornou um verdadeiro mestre neste estilo. Catiá também aprendeu a tocar violão de 7 cordas, mas preferia acompanhar com o violão de 6 cordas.

Atuação profissional

Catiá chegou a estudar para ser sapateiro. Chegou a fazer sapatos colegiais, entretanto logo deixou o ofício de sapateiro para integrar como violonista o regional da Rádio Clube PRC-5, onde ganhava melhor. Segundo o próprio Catiá, foi no regional da PRC-5 que começou sua carreira artística, pois já sabia tocar, mas precisava desenvolver-se no regional.

No começo da década de 1950 a Rádio Clube PRC-5 precisava de um conjunto regional e abriu um concurso de regionais. O regional que tirasse primeiro lugar seria o regional da rádio. O regional de Catiá foi o primeiro colocado tocando o choro “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo. O grupo era composto por Catiá e Odir (violões), Aurino (cavaquinho) e João Soares (pandeiro). Depois do regional firmar-se na rádio, ingressou no grupo o clarinetista Providência.

O regional atuava em programas que ocorriam às terças e quintas-feiras. No domingo tocavam em um programa chamado “A sorte encontrou o seu endereço”, programa realizado nas ruas, sendo que cada domingo em um bairro diferente. O programa de calouros premiava sempre o melhor cantor do bairro.

(Catiá, Glória Caputo e Marina Monarcha - Teatro da Paz 1985)

Catiá destacou-se como violonista do regional da Rádio Clube PRC-5, tanto que em pouco tempo ganhou espaço para realizar um programa só seu na rádio. Nesse tempo, Catiá ainda tocava “de ouvido”, mas já sabia solar vários choros e valsas, destacando-se as composições de Dilermando Reis. O programa de solos de violão realizado por Catiá ocorria sempre às terças e quintas-feiras e tinha duração de meia hora.

Depois de alguns anos na Rádio Clube PRC-5, Catiá transferiu-se para a Rádio Marajoara. O músico paraense gostava quando chegava o mês de outubro, período do Círio de Nazaré, ocasião em que vários cantores iam do Rio de Janeiro à Belém e precisavam sempre de um conjunto regional para acompanhá-los. Catiá nunca quis sair de Belém, apesar de ter despertado admiração por parte de artistas como Jackson do Pandeiro e Tito Madi, que o incentivaram a morar no Rio de Janeiro.

Como integrante do regional, Catiá acompanhou, além de Jackson do Pandeiro e Tito Madi, outros cantores famosos na década de 1950, como Dilú Melo, Hebe Camargo, Linda Batista e outros. Todos os artistas que chegavam em Belém nesse período, normalmente eram acompanhados pelo regional de rádio. Depois de vários anos atuando na emissora, Catiá não quis mais tocar no rádio e desvinculou-se da Rádio Marajoara. Procurou o violonista Vaíco, que passou a substituí-lo.

Paralelamente ao trabalho na rádio, Catiá atuou como violonista em vários bares de Belém. Com Elzeman Bittencourt (Conso do Cavaco), Raimundo Dias e Mariazinha Bittencourt, participava de serestas na casa de Elzeman. Tocavam sob contrato em locais como Quitandinha Bar, Pedreira Bar e Sinuca Bar. Durante a década de 1950 Catiá tocava todas as quartas-feiras no Rainha Bar, com Elzeman (cavaquinho), Vaíco (violão de sete cordas) e Bianor (pandeiro). Posteriormente, excursionou pelo interior do estado do Pará à convite do Governo do Estado, ao lado de outros músicos. Nesse período começou a interessar-se em aprender teoria musical.

Após sua saída da Rádio Marajoara, por volta do final da década de 1950 e início da década de 1960, chegou a trabalhar em uma fábrica de brilhantes, mas permaneceu pouco tempo por problemas de saúde. Quando já se encontrava melhor, passou a dar aulas particulares de violão. Atuou na “Boate Margô” por cerca de dois anos.

No começo da década de 1960, Catiá conheceu o violonista Sebastião Tapajós e trocaram várias partituras e experiências. Catiá frequentava sempre a casa de Sebastião, pois gostava de ouvir as músicas eruditas que o violonista executava. Tapajós, por sua vez, também gostava quando Catiá aparecia em sua casa, pois considerava que com o Catiá aprendia muito. Neste período, Sebastião Tapajós pediu à Catiá que lhe ensinasse algumas de suas músicas. Catiá então ensinou à Tapajós duas valsas. Essas composições, que figuram entre as primeiras de Catiá, foram elogiadas pelo violonista e professor Othon Saleiro, no Rio de Janeiro, quando Tapajós as executou por lá.

Catiá continuou ensinando violão. Chegou a ter outros empregos, trabalhando como vigia na Secretaria de Agricultura. Já estava casado, no entanto sua esposa faleceu no parto, junto com o filho. Quando ainda trabalhava como vigia na secretaria de agricultura, conheceu um senhor que se chamava Belém Amazonense da Costa, que era dono de cartório. Em pouco tempo, Belém formou um excelente regional composto por Catiá, Vaíco e Favacho (violões), Belém (afoxé), Gino (cavaquinho), La Roque (bandolim), Silvinho (acordeom), Erwin von Hommel (cavaquinho), Getúlio (voz), Carapanã (voz e percussão) e outros. O regional chamava-se “Anjos da Madrugada”. Catiá deixou o emprego de vigia na Secretária de Agricultura, pois ganhava melhor tocando no regional. Passou a frequentar todo final de semana a casa de Belém, onde o regional fazia as serestas. Tempos depois, com a morte de Belém, o grupo foi desfeito.

Catiá também frequentou a Casa do Choro. Fundada em 1979 por Aldemir Ferreira da Silva, a Casa do Choro tornou-se, nessa época, o principal reduto do gênero em Belém do Pará. Com a morte de Aldemir em 1983, o local deixou de funcionar.

No começo da década de 1980 o tradicional Instituto Estadual Carlos Gomes (antigo Conservatório Carlos Gomes) precisava de professores de violão, pois a procura pelo instrumento era muito grande por tratar-se de um instrumento popular. Em 1984, o  Conservatório abriu o curso de violão popular, tendo Catiá, Galdino Pena e Vaíco como os primeiros professores. Catiá permaneceu no Instituto até 2016.

Como professor, Catiá ajudou na formação de vários músicos de destaque no choro e no ensino do violão, como o violonista Orlando Vieira, que foi professor da Escola de Música da UFPA, e os chorões Elzeman Bittencourt, Avelar, Alberto Guimarães Siqueira (Beka), Emílio Meninéa e vários outros. Chegou a ganhar várias partituras e um violão de um aluno particular, que prometeu o instrumento se Catiá conseguisse ensinar a música Abismo de Rosas, de Américo Jacomino.

Em 1985, ano em que Waldemar Henrique completava 80 anos de idade, Catiá foi convidado para tocar em uma “Homenagem à Waldemar Henrique”, com Glória Caputo (piano) e Marina Monarcha (soprano), executando exclusivamente as composições de Waldemar Henrique. A apresentação foi realizada no Teatro da Paz em 27 de abril de 1985 e contou com presença do próprio Waldemar Henrique na plateia. O maestro Waldemar gostou muito e foi apresentado à Catiá logo depois da apresentação.

Com a criação da Casa do Gilson em 1987, os novos e os antigos chorões de Belém oficializaram novo ponto de encontro e Catiá passou a frequentar o ambiente. Catiá, nos primeiros anos da Casa do Gilson, tocava muito com o violonista Vaíco, lembrando a atuação dos violonistas Dino Sete Cordas e Meira, violonistas integrantes do famoso regional do Canhoto (do Rio de Janeiro). Catiá era mais solista e Vaíco era mais improvisador e acompanhador.

Depois de décadas de atividade profissional, Catiá tornou-se um dos nomes mais respeitados do violão paraense. Possuía extrema habilidade como acompanhador e como solista, não só de choro, mas de qualquer estilo. Aprendeu a ler partituras e isso lhe abriu as portas para o violão erudito, passando a integrar em seu repertório solo músicas de Bach, Schubert, Chopin, Albéniz, Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Tárrega, Beethoven, Agustín Barrios, Carcassi, Coste, dentre outros. Contava já nessa época com número considerável de arranjos para violão solo de composições populares e eruditas, destacando-se as músicas de Luiz Bonfá, Tom Jobim, Baden Powell, Chopin, Gounod e outros.

Composições

O interesse de Catiá pela composição surgiu ainda na juventude. Acostumado a tocar choros e valsas, tinha como principal referência de violão o paulista Dilermando Reis, além de Antônio Rago e Luiz Bonfá. Catiá começa a compor na década de 1950, utilizando um estilo de choro mais tradicional. Sua obra é inteiramente destinada ao violão. Catiá não se preocupava muito em dar títulos às suas composições, que foram recebendo títulos a medida em que começaram a ser apresentadas  e gravadas.

Depois de um longo período sem compor, Catiá retoma a atividade no começo da década de 1980 e compõe a partir deste período a maior parcela de sua obra, que inclui 24 peças para violão, entre choros, valsas, sambas e um carimbó. Possui uma única parceria no choro “O Mestre e Eu", cuja segunda parte foi composta para bandolim por Luiz Pardal.

Após ter se dedicado por certo período compondo músicas de harmonias mais modernas, as suas composições mais recentes retomam harmonias e formas tradicionais, incluindo um choro dividido em três partes. Em geral, Catiá  seguiu a tendência moderna de compor choros divididos em duas partes.

A música de Catiá vem alcançando sucesso de público e de crítica. Suas obras chamam a atenção no meio do choro e do violão e já receberam elogios de personalidades como o violonista e professor Henrique Pinto.

Gravações

Apesar de toda a fama e excelência, Catiá não possuía nenhum registro em estúdio até 2005, quando finalmente foi chamado para gravar seu primeiro e único CD pela Secult-Pa. No CD, Catiá gravou 22 composições suas. O CD foi lançado em 2006 no Teatro Estação Gasômetro, em Belém, quando Catiá contava com 75 anos de idade.

Em 2007, a Casa do Gilson completou 20 anos de atividades e em comemoração foram gravados dois CDs, com diversos compositores. No Disco 1, Catiá gravou os choros Alegria dos Dedos e Amigo Seresteiro. No Disco 2, regravou sua Valsa no.1, em duo com o cavaquinista Erwin von Hommel.

Catiá possuía quatro paixões: o violão, o jogo de damas (do qual era exímio jogador), a degustação de cachaça e a criação de curió. Depois de morar na casa de duas tias e passar por casas de vários amigos, Catiá viveu desde 2016 no asilo Pão de Santo Antônio. O músico faleceu em Belém no dia 31 de dezembro de 2021, vítima de pneumonia.

 

Bibliografia

CANO, José Antonio Salazar. O violão solo em Belém do Pará: uma história a partir da sistematização do ensino no Instituto Estadual Carlos Gomes. Dissertação de Mestrado. UFPA. 2015.

GOMES, Maurício Ferreira. Catiá: violonista e compositor paraense. Trabalho de Conclusão de Curso. UEPA. 2003.

SALES, Vicente. Música e músicos do Pará. 2. ed. corr. e amp. Micro Edição do Autor. 2002.

 

Discografia

A música e o Pará – Obras para violão (gravação do Choro Paraense) (Secult-Pa, 1997) (Salomão Habib)

Casa do Gilson – 20 anos Tocando a História do Choro no Pará (Secult-Pa, 2008) (Vários artistas)

Maurício Gomes interpreta Catiá (2021, independente) (Maurício Gomes)

Projeto Uirapuru – Mestre Catiá (Secult-Pa, 2006) (Catiá)

 

Composições de Catiá

Acontece

Alegria dos Dedos

Amanheceu

Amigo Seresteiro

Arrasta-pé na Aldeia

Boa Ideia

Carimbó (Batuque Amazônico)

Choro do Bairro Antigo

Choro Paraense

Coração Espírita

Cordas em Harmonia

Guajará

Homenagem a Von Rommel

Manias do Seresteiro

Ondas Coloridas

O Mestre e Eu

O Tocador Quer Beber

O Violão e a Seresta

Quem Chora Sabe!

Recordação

Tranquilidade

Uma Vez no Bengui

Valsa no.1

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